A Consciência Moral e a Liberdade Humana

A consciência de si mesmo ou autoconsciência confere ao ser humano a capacidade de julgar ações, e de escolher, dentre as circunstâncias possíveis, sue próprio caminho na vida.
A essa característica peculiar ao homem, de julgar suas próprias ações, decidindo se elas são boas ou más, damos o nome de consciência moral.
A possibilidade que o homem tem de escolher seu caminho na vida e constituir sai historia damos o nome de liberdade. Evidentemente a liberdade é algo que não se exerce no vazio, mas dentro das limitações impostas pelas circunstancias. Pois, como escreveu Karl Marx, “os homens fazem suas própria historia, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstancias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”.
A liberdade e a consciência estão as intimamente relacionadas. Isso porque só tem sentido julgar moralmente a ação de uma pessoa se esta ação foi praticada em liberdade. Quando não se tem escolha (liberdade), é impossível decidir entre o bem e o mal (consciência moral).
Entretanto, quando estamos livres para escolher entre esta ou aquela ação, tornamo-nos responsáveis pelo que praticamos. É esta responsabilidade que pode ser julgada pela consciência moral do próprio indivíduo ou do grupo social.
Para melhor compreender esta síntese, veremos mais o fundo a liberdade, os valores e o homem propriamente dizendo sobre sua consciência diante destes conteúdos.

O que é valor?

Há mundo das coisas e o mundo dos valores. Mas não podemos dizer que os valores são da mesma maneira que as coisas são. Isto é, não existe o valor em si enquanto coisa, mas o valor é sempre uma relação entre o sujeito que valora e o objeto valorado.
Isso significa que os valores existem na ordem da afetividade, ou seja, não ficamos indiferentes diante de alguma coisa ou pessoa, pois somos sempre afetados por elas de alguma forma. Reclamamos da caneta que não escreve bem, ouvimos várias vezes com prazer a música de nossa preferência recriminou que usa de violência e assim por diante.
Valorizar é uma experiência fundamentalmente humana que se encontra no centro de toda escolha de vida. Fazer um plano de ação nada mais é do que dar prioridade a certos valores, ou seja, escolher o que é melhor (seja do ponto de vista moral, utilitário etc.) e evitar o que é prejudicial para se atingir os fins propostos.
A conseqüência de qualquer valoração é, sem duvida, dar regras para a ação prática. Assim, se o ar é um valor para o ser vivo, é preciso evitar que a poluição atmosférica prejudique a qualidade desse bem indispensável. Se a credibilidade é um valor, não posso estar o tempo todo mentindo, caso contrário as relações humanas ficariam prejudicadas. Portanto, diante daquilo que é a experiência dos valores orienta para o que deve ser.
Neste capítulo, dentre os mais diversos valores possíveis, escolhemos analisar os valores morais. Moral é o conjunto de regras de conduta consideradas válidas para um grupo ou para uma pessoa.
Veremos, a seguir, qual é a origem desses valores e o que caracteriza o ato propriamente moral.

De onde vêm os valores?

Se os valores não são coisas, pois resultam da experiência vivida pelo homem ao se relacionar com o mundo e os outros homens, talvez pudéssemos concluir que tais experiências variam conforme o povo e a época. É o que parece nos sugerir a diversidade de costumes: para algumas tribos, é indispensável matar os velhos e as crianças que nascem com algum defeito, o que para nós pode parecer incrível crueldade. Na Idade Média era proibido dissecar cadáveres, e, no entanto as instituições de justiça tinham o direito de torturar seres vivos. Nosso costume de comer bife escandaliza o hindu, para quem a vaca é animal sagrado.
Isso significa que os valores são em parte herdados da cultura. Aliás, a primeira compreensão que temos do mundo é fundada no solo dos valores da comunidade a que pertencemos.
Em tese, tais valores existem para que a sociedade subsista, mantenha a integridade e possa se desenvolver. Ou seja, a moral existe para se viver melhor. Talvez essa afirmação cause espanto, se considerarmos que as regras morais são concebidas como condição de repressão humana, sendo, assim, geradoras de infelicidade. Isso também é verdadeiro, mas só enquanto deformação da moral autêntica e em contexto diferente daquele que estamos considerando aqui. O que nos interessa enfatizar, em grupos humanos precisa de regras para viver bem.
Por isso é possível entender como, em certas tribos, onde há escassez de alimentação, há o costume de matar crianças defeituosas e velhos incapazes de produzir, uma vez que se tornam peso prejudicial à sobrevivência do grupo.
Dito de outra forma, mesmo que varie o conteúdo das regras morais, conforme a época ou lugar, todas as comunidades têm a necessidade formal de regras morais. É formalmente correto que a coragem é melhor que a covardia, que a amizade é um valor desejável entre os membros de um grupo. No entanto, a coragem é um valor formal cujo conteúdo varia. Tomemos um exemplo corriqueiro, ainda que não referente à moral propriamente dita: se alguns riem do caipira com medo de atravessar a avenida na grande cidade, certamente será ele que rirá do citadino assustado com sapos e cobras na fazenda. Transportando o exemplo para o campo da moral, a coragem do guerreiro da tribo é certamente diferente da coragem do homem urbano desafiado, por exemplo, pêlos riscos da corrupção.
Se amizade é um valor universal, a sua expressão varia conforme os costumes. Na sociedade patriarcal, em que a mulher se encontra confinada ao lar e subordinada ao homem, é impensável que ela tenha amigos do sexo masculino fora do círculo de amizades do seu próprio marido ou distante do seu olhar benevolente. Isso muda nos núcleos urbanos, após a liberação da mulher para o trabalho fora do lar.

Social e pessoal

Voltemos à objeção ensaiada alguns parágrafos atrás; nem sempre as regras morais visam ao bem da comunidade enquanto um todo. Sendo inúmeros os exemplos, vamos selecionar apenas alguns deles.
Por mais estável que seja a sociedade, sempre há mudança das relações entre as pessoas e grupos, na luta das relações entre as pessoas e grupos, Então, certas regras valem em determinadas circunstancias e deixam de valer quando ocorrem alternações nas relações humanas. No entanto, existe a tendência de se resistir às mudanças, e, quando as regras permanecem mudanças inflexíveis, sedimentadas, acabam sendo esvaziadas de seu conteúdo vital e ficam caducas e sem sentido. A sociedade passa, então, por um momento de crise moral para cuja superação é exigida inventividade e coragem, a fim de ser recriada uma moral verdadeiramente dinâmica e comprometida com a vida.
A experiência efetiva da vida moral supõe, portanto o confronto continua entre a moral constituinte, representada pela critica aos valores ultrapassados, o esforço da constituição da vida moral exige a discussão constante dos valores vigentes, a fim de verificar em que medida sua realização se faz da vida ou da alienação.

O sujeito moral

Seriam então os valores, além de relativos ao lugar e ao tempo também subjetivos isto é dependente das avaliações de cada indivíduo?
Se cada um pudesse fazer o que bem entendesse, não haveria moral propriamente dita. O sujeito moral tem a intuição dos valores como resultado da intersubjetividade, ou seja, da relação com os outros.
Ninguém nasce moral, mas torna-se moral. Há uma longa caminhada a sei percorrida para a aprendizagem de descentralização do eu subjetivo, a fim de superar o egocentrismo infantil e tornar-se capaz de “conviver”.

O homem virtuoso

Quando nos referimos ao homem virtuoso, a imagem que nos vem é de alguém amável, dócil, cordato, capaz de renuncia e pronto para servir aos outros. Trata-se de uma representação inadequada e muitas vezes perigosa. Nietzsche referia-se à moral se escravos, como sendo aquela em que as falsas virtudes se fundam na fraqueza no servilismo, na renuncia do amor de si e, portanto, na negação dos valores vitais.
A palavra virtude vem de o latim vir, que designa “o homem”, o “varão” (daí o objetivo viril). Vírus é o poder “força”, “capacidade”. O termo grego arte significa qualidade da excelência, mérito. Portanto o homem virtuoso nada tem de frágil; ao contrário, virtude é a capacidade de ação, é a potência. Para Kant, a virtude é a força de resolução que revela o homem na realização do seu dever.
A virtude, enquanto disposição para querer o bem, supõe a coragem de assumir os valores escolhidos e enfrentar os obstáculos que dificultam a ação.
Por isso a noção de virtude não se restringe a apenas um ato moral, mas consiste na repetição e continuidade do agir moral. Aristóteles já afirmava que uma andorinha só não faz verão para dizer que a virtude não se resume no ato ocasional e fortuito, mas precisa tornar-se um hábito.

Obrigação e liberdade

No breve percurso que fizemos até aqui, percebermos que o ato moral é complexo e supõe contradições insolúveis entre social e pessoal, tradição e inovação e assim por diante. Não há como optar por apenas um lado da questão, mas é preciso admitir que tal contradição constituísse o próprio “tecido” da moral.
Continuando na mesma linha, não deixa de nos causar perplexidade o fato de que o ato moral exige obrigação e liberdade.
Se a construção de ciência moral se realiza a partir da aprendizagem da convivência entre os homens é preciso admitir que o ato moral seja um ato de vontade. Como tal, distingue-se do desejo, já que é involuntário, surge com maior ou menor força e traz a exigência de realização.
Por isso, todo ato moral esta sujeito a sanção, ou seja, merece aprovação ou desaprovação elogio ou censura. O senso moral reage porque nossa afetividade foi atingida: certos atos considerados imorais, como por exemplo, o assassinato de uma criança provoca-nos indignação.

Processo moral

Nem sempre a mudança moral equivale a processo moral. Existe processo quando se dá um avanço com melhoria de qualidade. Isso significa que certos valores antigos não precisam ser considerados necessariamente ultrapassados, da mesma forma que valores dos novos tempos algumas vezes podem não indicar progresso.
Quais seriam então os critérios para avaliar o progresso moral? Examinemos alguns deles.

• Ampliação da esfera moral: certos atos cujo cumprimento antes era garantido pela força legal (direito) por constrangimento social (costumes) ou por imposição religiosa, passaram a ser cumpridos por exclusiva obrigação moral. Por exemplo, um pai divorciado não precisaria da lei para reconhecer a obrigação de continuar sustentando seus filhos menores de idade. Por outro lado, certas situações em que as pessoas fazem o bem tendo em vista a re3compensa divina são indicadores de diminuição de esfera moral, porque nesse caso, o estímulo para a ação não é a obrigação moral, mas certa “barganha” visando recompensa.
• Caráter consciente e livre da ação: a responsabilidade moral esta na exigência de um compromisso livremente assumido. Responsável é a pessoa que reconhece seus atos como resultantes da vontade e responde pelas conseqüências deles. Quando adultas como mulheres e escravos permanecem tutelados, os resultados é o empobrecimento moral das relações humanas.
• Grau de articulação entre interesses coletivos e pessoais: enquanto nas tribos primitivas o coletivo predomina sobre o pessoal, nas sociedades contemporâneas o individualismo exacerbado tende a desconsiderar os interesses da coletividade. É importante que o desenvolvimento de cada um não seja feito à revelia do desenvolvimento dos demais.

Mas os problemas decorrentes da decadência ética que presenciamos não podem ser resolvidos a partir de tentativas isoladas de educação moral do indivíduo. É preciso que exista vontade de política de alterar as condições patogênicas, isto é, as condições geradoras da doença social, para que se possa dar possibilidade de superação da pobreza moral.
Dito de outra forma, não basta “reformar o indivíduo para reformar a sociedade”. Um projeto moral desligado do projeto político está destinado ao fracasso. Os dois processos devem formar o homem plenamente moral só é possível na sociedade que também se esforça para ser justa.

A liberdade

Transpondo tais considerações do campo da ciência da natureza para o nível humano, não há como negar que também o homem se acha preso a determinismo: tem um corpo sujeito às leis da Física e da Química, é um ser vivo que pode ser compreendido pela biologia. Por isso, já no século XVIII, os materialistas franceses D’holbacj e La Mettrie reduziam os atos humanos a elos de uma cadeia causal universal.
Temos de admitir inclusive a existência de determinados psicológicos na atividade psíquica normal e cotidiana, pela qual o homem entra em contato com o mundo para conhecê-lo e reagir afetivamente a ele. Por exemplo, se nos preocupamos com métodos de ensino, é preciso antes compreender os mecanismos de inteligência humana, tais como, memória, invenção, instituição, abstração e assim por diante. Por isso, a aprendizagem da aritmética era tão penosa antigamente: desconhecendo-se que o pensamento infantil ainda é concreto, exigia-se a criança o uso do raciocínio abstrato, cujo desenvolvimento só acontece a partir da adolescência.
Watson e Skinner, psicólogos contemporâneos pertencentes à corrente comportamentista, consideram que o homem tem a ilusão de que é livre, quando na verdade apenas desconhece as causas que agem sobre ele. Com o desenvolvimento da ciência do comportamento seria possível conhecer de tal forma as modificações que daria para prever e, portanto planejar o comportamento humano. Aliás, é esse o tema de um romance de Skinner, Waldir II, onde uma equipe de cientistas do comportamento dirige uma cidade utópica.
Além de todos esses aspectos determinados, podemos acrescentar os determinados culturais: ao nascer, o homem se encontra em um mundo já constituído, recebendo como herança a moral, a religião, a organização social e política, a língua, enfim os costumes que não escolheu e que de certa forma determinam sua maneira de sentir e pensar.

As condições da liberdade

Para os deterministas, tudo tem uma causa, inclusiva a ação humana. Podemos até conhecer tais causas, mas elas existem. Levar essas conclusões até as últimas conseqüências é admitir que o homem não seja livre.
Afinal, o homem é livre ou é determinado?
Não há como negar o determinismo que agem sobre o homem, já que ele se encontra situado no tempo e no espaço, tendo recebido uma herança cultural específica. Mas o homem não apenas essa situação dada é também a consciência dos determinados. Isso significa que, ao tomar conhecimento das causas que agem sobre ele, é capaz de realizar uma ação transformadora, a partir de um projeto de ação. Deixa de ser passivo e passa a ser atuante.

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