sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A escravidão nos dias de hoje


A escravidão nos dias de hoje

"Antigamente, os escravos tinham um senhor, os de hoje trocam
“De dono e nunca sabem o que esperar do dia seguinte.”
Fernando Henrique Cardoso

Já se passou muito tempo desde a abolição da escravatura em 1888. Nossa amada e idolatrada pátria foi o ultimo pais a fazer a abolição da escravatura. Depois de uma mudança brusca sempre demora um pouco para que sejam feitas todas as mudanças necessárias, mas no Brasil nos enfrentamos um problema: ate hoje não acabou. Não vamos ser radicais e culpar apenas o Brasil, como se aqui o processo evolutivo do homem tivesse começado uma escala de retrocesso. Isto e um problema de vários países subdesenvolvidos atuais. África, Ásia, América do Sul... Todo tem sua parcela. O Brasil e um dos mais fracos!!! E um dos que o combate contra e de grande intensidade!!! Mas quais as causas? Como pode nosso governo deixar isso acontecer diante dos próprios olhos... Como pode homens ainda fazer isso! Depois de um senso lógico e alguns momentos de reflexão podemos chegar a certas conclusões.
Nossa economia, nosso governo, nossa realidade... Esses são alguns dos bons motivos para que a escravidão atual ainda exista. Somos uns pais ricamente agrário, o que já fornece um excelente painel para que a escravidão seja utilizada. Você pode utilizar escravos em uma plantação, mas não em uma fabrica de microprocessadores. O nosso pais e um dos maiores do mundo em extensão territorial, o que facilita a ilegalidade do ato... Não culpemos nosso governo de tudo, por que sentimos sua preocupação com o problema e sua luta para que isso acabe. Mas a culpa lhe cairá no quesito trabalho, terras e pobreza. E uns pais sem empregos, sem dinheiro, sem reforma agrária... Uma reforma agrária bem sucedida renderia empregos para muitos desses, que, enganados caem nas mãos de pessoas que vivem com a cabeça alguns séculos atrasada. Pessoas sem escrúpulos, que se utilizam da ingenuidade de pobres coitados que passam fome e rezam todas as noites para um emprego melhor. Esses pobres coitados que nessa vida nunca tiveram instrução o bastante para realizar o sonho de sair dessa vida.
Vou dar um exemplo de uma reportagem que saiu na revista Terra (Ano 3, numero 10, edição 30, outubro de 1994), de nome a Sina do Sisal. Não e bem uma reportagem sobre a escravidão, já que, escravidão e o emprego em que não se pode sair e lá eles eram "livres"; depois mostrarei o caráter da escravidão neste serviço. O sisal e uma planta que e encontrada em abundância em lugares quentes (de origem mexicana), que se adaptou muito bem ao Brasil. Ela foi trazida ao Brasil no inicio dos anos 60, no auge do comercio deste produto, quando uma tonelada era vendida a mais de 1000 reais e sua procura era enorme. A matéria prima e utilizada para fazer cordas, rechear estofamentos, produzir pasta para a indústria de celulose e para a produção da bebida tequila. Hoje em dia sua tonelada se bem vendida consegue a media de 300 reais, e a cada ano sua procura diminui graças à entrada da fibra sintética no mercado, que e muito mais resistente. O único comprador internacional do sisal no Brasil e os Estados Unidos, que compra cordas para amarrar feixes de feno. A media salarial mensal de cada trabalhador e variável de 20 a 35 reais por mês. Homens, mulheres e crianças trabalham neste cultivo. O emprego que mais ganha, o de 35 reais e o de operar a "Paraibana" maquina de desfibrar o sisal. E uma maquina a diesel muito rudimentar que já arrancou a mão de mais de 2000 homens na região da Bahia. E pouco se comparado a o numero de pessoas que vivem disso, que e de mais de 1 milhão de pessoas espalhado por 100 municípios Baianos. Agora, vejamos uma coisa que mostrara a dureza deste trabalho. A pessoa que mais ganham na cidade, são as que não têm uma das mãos. A media salarial de aposentadoria por invalidez e de 200 reais contra 35 reais das que trabalham e tem as duas. De depoimento de um dos ex-trabalhadores do sisal, ele diz “Se quisermos nos libertar da escravidão do sisal, temos que cortar uma das mãos.". Imagine a que ponto uma pessoa deve chegar para que se atente contra o próprio corpo... E um absurdo... Eles são sindicalizados por um órgão de criação própria, mas que atinge apenas 25 % dos trabalhadores, já que grande parte não tem carteira assinada. Ele não tem apoio do governo para melhorar suas condições de trabalho e de incentivo para um novo mercado. Na terra deles, nada que se planta se colhe. A única coisa e o sisal que fica verde o dia inteiro. Se eles pararem de produzir morrem de fome, por que não tem outros meios de conseguir dinheiro e de manter algum modo de subsistência. Então se não podem, teoricamente, abandonar seus empregos, podemos chamá-los de escravos... Escravos do sisal... Eles vivem em condições não muito melhores do que as de uma senzala do século passado e se querem se ver longe de algum modo de serviço tem que escolher algo perto da morte... Como um escravo...


Veja, 24/3/99
Vidas estilhaçadas
A história de alguns dos 777
Brasileiros que, às portas
Do terceiro milênio, passaram
Pelo horror da escravidão
Alexandre Ultramar e Klestil Cavalcanti
Antônio Pereira da Silva, 27 anos, tentou fugir, passou duas noites na mata amazônica, alimentando-se apenas de palmito, e foi recapturado. De volta à fazenda, com os pulsos amarrados, levou uma surra de cipó durante trinta minutos e um soco rasgou-lhe o queixo, fazendo jorrar sangue no seu peito. Dias depois, desesperado, Antônio Pereira da Silva voltou a fugir e, de novo, foi capturado. Dessa vez, levaram-no para passar três dias, a pão e água, na cela de uma delegacia ali perto, em Santana do Araguaia, no sul do Pará. Naquelas subversões típicas dos confins do Brasil, a polícia não foi sua salvação, mas seu cativeiro, e, dali, saiu de volta para a fazenda. Antônio Pereira da Silva trabalhou como escravo por dois meses, na fazenda Estrela de Maceió, em Santana do Araguaia, até ser libertado em fevereiro do ano passado. Com sua roupa habitual, uma bermuda e um par de havaianas nos pés, a pele queimada de sol e o olhar vazio, ele resume sua experiência numa frase:
– Não se faz isso nem com bicho.
No Brasil que bate às portas do terceiro milênio, que alcançou progresso notável em algumas áreas e almeja a modernidade, há brasileiros tratados dessa forma. "É um absurdo que em plena virada do século tenhamos de conviver com gente com mentalidade pré-histórica. Temos de apertar o cerco cada vez mais contra esses senhores de escravos e puni-los", afirma o ministro da Justiça, Renan Calheiros. Desde 1971, quando o bispo de São Félix do Araguaia, dom Pedro Casaldáliga, fez a primeira denúncia de escravidão nos confins do Brasil, sabe-se que o país convive com essa chaga, embora seja difícil acreditar para quem mora nas cidades, tem celular e endereço na internet. Mas nunca se mediu o tamanho exato do problema. Além disso, é um hábito de certas entidades confundirem "escravidão", regime em que o trabalhador é impedido de abandonar o emprego, seja por violência ou isolamento geográfico, com "superexploração", quando uma pessoa trabalha além da jornada legal, não tem carteira assinada, recebe salário insuficiente ou, às vezes, apenas um prato de comida – mas é livre para deixar o trabalho quando quiser.
Com exclusividade, VEJA teve acesso aos fichários do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, um órgão do Ministério do Trabalho criado há quatro anos com o objetivo de combater a escravidão. Nesses fichários, desvenda-se a história de uma vergonha nacional. De 1995 para cá, informam os documentos, as equipes de resgate do Ministério do Trabalho libertaram 777 brasileiros do cativeiro – e estima-se que para cada escravo libertado haja vários outros vivendo nessa situação aviltante. Os 777 trabalhavam como escravos em fazendas em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Maranhão e, em especial, no Pará. Eram homens, mulheres e crianças. Negros, brancos e mestiços. A maioria, iludida por propostas falsas de trabalho, deixou o lar nos Estados do Tocantins, Maranhão, Pará e Bahia para virar escrava. "É uma situação horrorosa, perversa, inominável. Enquanto um único trabalhador estiver nessa situação, ninguém poderá orgulhar-se do país em que vive", diz a senadora Marina Silva, do PT do Acre.
Fuga na madrugada – "Eu sou testemunha ocular da escravidão no Brasil de hoje e posso dizer: é horrível", afirma Ruth Vilela, 50 anos, coordenadora do grupo de combate à escravidão. Com apenas 1,50 metro de altura, Ruth Vilela é uma gigante em seu trabalho. Mineira, divorciada, formada em direito, mudou-se de Belo Horizonte para Brasília há quatro anos só para assumir essa função, separando-se de dois filhos, um de 25 anos e outro de 19. Se for preciso, Ruth Vilela deixa o gabinete no 1º andar do ministério e embrenha-se na mata. Com um revólver de calibre 32 enfiado na bota, já comandou equipes de vinte homens, sempre armados com metralhadoras, em operações de resgate de escravos em quatro Estados. "Na minha primeira missão, no início eu não acreditava no que estava vendo. Depois veio a indignação. O tratamento dado a essas pessoas é pior que o dispensado aos animais. Nas fazendas que usam o trabalho escravo, tratam o gado melhor, porque o vacinam e lhe dão comida em estábulos feitos de alvenaria", diz ela.
Edvaldo Silva Santos, 32 anos, é protagonista de uma dessas histórias horríveis. Às 3 da madrugada, ele driblou os capangas numa fazenda em Tomé-Açu, no Pará, andou duas horas pela mata escura e, numa beira de estrada, conseguiu agarrar-se à traseira de um caminhão sem ser notado pelo motorista. Chegou a casa, um vilarejo perto de Tomé-Açu, reviu a mulher e as duas filhas, de quem não tinha notícias havia onze meses. No dia seguinte, recebeu um recado: ou voltava para a fazenda, ou perderia suas filhas. Ele voltou. Roçava a mata quinze horas por dia, não recebeu um tostão e fugiu de novo. Dessa vez não teve aviso prévio. Seu irmão foi assassinado com um tiro na cabeça e, em pleno dia do enterro, um capanga lhe sussurrou no ouvido: "Da próxima vez, é tua mulher e tuas filhas". Edvaldo Silva Santos retornou à fazenda. Foi escravo por mais sete meses, até serem libertadas há três semanas, junto com outros doze homens, duas mulheres e duas crianças.
Se o sujeito se negasse a trabalhar, o patrão mandava matar e enterrava na fazenda mesmo – conta Edvaldo.
Caminhão de gado – Na operação de resgate, houve troca de tiros entre os policiais e os capangas, e o proprietário da fazenda, o madeireiro gaúcho Gênio Dias Este fanes, homem tão vigilante que só deixava a fazenda a bordo de um carro blindado, acabou morto. Preparada com uma semana de antecedência, a operação reuniu 35 policiais. Na hora do cerco, Este fane tentou fugir, em um Fie ta, mas o carro atolou e ele foi atingido pela polícia. Na fazenda, as mulheres cozinhavam e os homens trabalhavam na lavoura, cuidavam de animais e cortavam madeira. Todos os dezessete escravizados, homens, mulheres e crianças, viviam em um galpão atrás da casa do fazendeiro. Os mais afortunados dormiam em rede. Os outros, no chão.
Nas denúncias da Comissão Pastoral da Terra, a CPT, que há mais de vinte anos procura chamar a atenção para as chagas rurais do Brasil, apareceu nos últimos dez anos 100 000 casos de "trabalho escravo". De 1996 para cá, a CPT denunciou 30 000 ocorrências. Só que, nessas contas, não se faz distinção entre escravidão e superexploração, daí por que o número é tão alto. Ao embaralhar o assunto, infla-se a cifra e joga-se um holofote sobre o tema. Mas essa prática também dificulta uma solução, como alerta o sociólogo José de Souza Martins, da Universidade de São Paulo, USP, num livro ainda inédito, Trabalho Escravo no Brasil Contemporâneo, a ser lançado em breve. Há três anos, a Central Única dos Trabalhadores, CUT, embarcou no denuncismo e criou o "disque-escravidão", uma iniciativa de quem não entende nada do assunto. Ou alguém acha que existe escravo acorrentado no pé de um orelhão? Considerando-se só os casos absolutamente comprovados, de gente escravizada que foi libertado, o número total de 777 sugere que as pessoas nessa situação cheguem a alguns milhares. No Brasil todo existe 26 milhões de trabalhadores rurais, que movimentam um PIB de 60 bilhões de reais. Trata-se de um universo infinitamente maior que o Brasil escravo. Mas o problema não é estatístico. Mesmo com algumas centenas de escravos libertados e alguns milhares ainda martirizados pelo trabalho imposto, ter esse regime funcionando na nona economia mundial é uma aberração.
Surgido na Antiguidade, quando os romanos e os povos germânicos escravizavam o inimigo vencido, o trabalho escravo chegou ao Brasil menos de quarenta anos depois do descobrimento e duraram três séculos e meio, até ser abolido em 1888. Mas, sob certos aspectos, a escravidão de hoje é pior que a do passado. Acabou a escravidão racial e permanente (que transformava o negro em objeto de propriedade do senhor por toda a vida). Sobrou um regime de servidão multirracial e temporária – e muito violento. Antes da Lei Áurea, matar um escravo negro era prejuízo para o senhor, que o comprara e nele investira. Hoje, não se compra o homem. A vítima é atraída à fazenda por promessas falsas. Estima-se que, entre os atuais escravos, 18% sejam assassinados, uma matança muito maior em termos porcentuais que a registrada nas senzalas do século passado. Em junho de 1995, quando reconheceu, num ato de forte simbolismo político, que há escravos no Brasil atual, o presidente Fernando Henrique, sociólogo autor de um livro sobre o assunto, disse: "Antigamente, os escravos tinham um senhor, os de hoje trocam de dono e nunca sabem o que esperar do dia seguinte".
Família no cativeiro – Comparado a nações onde existe escravidão, como as do sul da Ásia ou Oriente Médio, o Brasil é um caso residual. No Paquistão, o governo admite que haja 20 milhões de escravos. Na Índia, estima-se em 10 milhões, apesar do esforço do governo para combater essa prática histórica no país. No Nepal, calcula-se em 100.000. No Brasil, o ritmo da escravidão amazônica tem até diminuído, graças ao empenho do governo em estourar as senzalas e, também, à redução do desmatamento na região para a instalação de fazendas. Isso porque a escravidão, antes ou depois da Lei Áurea, sempre foi movida pela lógica econômica, e não por patrões que sejam bons ou maus. Antes de 1888, muitos senhores de escravo aderiram à abolição da escravatura e a defenderam, porque já não lhes interessava, do ponto de vista financeira, sustentar hordas de negros, que estavam ficando muito caros em razão da vigilância da Inglaterra para desbaratar o tráfico negreiro. É certo que, na hora em que for economicamente inviável escravizar, o problema tenderá a acabar – como a escravidão negra.
Como regra, os escravos do Brasil de hoje são levados às fazendas de ônibus, alguns de avião, mas a maioria vai mesmo a caminhão de carregar gado, de pé, pois não há assento para todos, sacolejando por horas a fio, às vezes dias. Chegam às fazendas e começam a roçar roçar e roçar. Das 5 da manhã ao cair da noite. Comem no mato, sob a vigilância de jagunços armados. Em geral, vãos sozinhos, mas alguns levam filhos e mulher. Pagam por tudo no barracão da fazenda: sal, feijão, arroz, até pelos instrumentos de trabalho, a foice, o machado. E, manipulados por uma espiral de dívidas impagáveis, caem na escravidão – até fugir, salvar-se numa operação de resgate ou até que o patrão dê o trabalho por encerrado.
O tocantinense José Rodrigues da Silva, 40 anos, cabelos desgrenhados, barba com fios brancos e olhar aflito, é um dos que caíram na armadilha da escravidão com a família inteira: a mulher, Maria, 33 anos, os dois filhos, Ronaldo, 16, e Marine usem 11, além de um irmão de 29 anos e um sobrinho, de 19. No final de 1997, em Santana do Araguaia, embarcaram todos num caminhão com a promessa de receber 50 reais por alqueire de mato roçado numa fazenda. Em uma semana, roçou quase 6 alqueires, o equivalente a vinte campos de futebol, e foram cobrar o serviço, 280 reais. Para seu espanto, a dívida contraída no barracão era de 300 reais. Resultado: José Rodrigues da Silva nada tinha a receber. Estava devendo 20 reais. Quis ir embora. Não deixaram. Com a família toda, fugir era arriscado. Aguinaldo Soares da Silva, o sobrinho, adolescente tímido, diz:
O peão que tentava fugir eles batiam de cipó e jogavam no córrego sem roupa. Só louco tentava fugir.
A escravidão por dívida – mero artifício para usurpar a liberdade do trabalhador – é uma modalidade antiga de cativeiro. Em meados do século passado, antes mesmo da abolição da escravatura, os fazendeiros de café em São Paulo trouxeram colonos europeus para trabalhar a terra e os escravizaram. Na Amazônia, o trabalho escravo é quase um hábito histórico. Antes da Abolição, os nordestinos expulsos pela seca eram escravizados no norte do país. No auge da borracha, havia escravos na extração do látex nos seringais, e um desses casos foi flagrado pelo escritor Euclides da Cunha, que o narrou, com detalhes, em seu livro À Margem da História, uma obra ofuscada pelo brilho do clássico Os Sertões. Nesse livro, Euclides conta como um cearense foi escravizado por dívida e conclui ter testemunhado "a mais criminosa organização do trabalho que ainda engenhou o mais desacatado egoísmo". No final dos anos 60, quando o governo militar passou a distribuir incentivos às grandes empresas para instalar projetos de colonização na região amazônica, o "desacatado egoísmo" voltou. Foi nesse tempo que Guilherme Pedro Neto, 51 anos, atualmente secretário da Contas, a entidade que representa cerca de 6 milhões de agricultores, mergulhou num martírio sobre o qual não fala sem ficar com os olhos marejados:
– Fui mais do que um escravo. Eu era um animal. Num ano, no início da década de 70, eu fui vendido três vezes.
Abuso sexual
O problema persiste ainda hoje por causa da escassez de mão-de-obra na região e, também, do desemprego no interior do Nordeste e Centro-Oeste, que leva algumas pessoas a aceitar qualquer tipo de trabalho e, em alguns casos, até a se sujeitar mais de uma vez à servidão, pois é melhor comer no cativeiro que ter a liberdade de passar fome. É um problema que, na Índia, está sendo combatido com a concessão de bolsas ou bônus para escravos libertados, de forma a evitar que voltem ao cativeiro por absoluta falta de alternativa. A família de José Rodrigues da Silva, aquele que quando foi receber o salário descobriu que devia 20 reais, está sem emprego desde sua libertação, há mais de um ano. Toda a família. Eles estão instalados numa cidadezinha empoeirada, Caseara, no Estado do Tocantins, às margens do Rio Araguaia.
Há mulheres escravizadas, como Maria, que chegou a uma fazenda com a família inteira. Ela tem cabelos castanhos, braços grossos e é analfabeta. Veste bermuda e camisa regata com a inscrição Comandar Aventure World e calça chinelos de dedo. Existem mulheres como Raimunda Chaves, 27 anos, que passou mais de um ano trabalhando numa fazenda em São Félix do Xingu, no Pará, em troca de dois pratos de comida. Cozinheira de mão-cheia, tímida e de pouca conversa Raimunda hoje está de volta a sua cidade, vive com o novo namorado e um filho de 3 anos. VEJA a entrevistou em sua cidade, mas Raimunda, ressabiada pelo inferno que enfrentou, pede para que não se informe o nome da localidade. Ela tem medo de morrer. Na fazenda em que foi escravizada, Raimunda sofreram abuso sexual três vezes por parte dos capangas. Pensou em suicídio. Um dia conseguiu fugir – mas deixou o marido para trás, de quem nunca mais teve notícia.
Há casos de pai e filho, como o maranhense Lado Martins dos Santos, 67 anos, que levou o filho José, 17, e ficaram dois meses suando na escravidão numa fazenda no sul do Pará. Lado dos Santos, um velho forte que não distingue quilômetro de metro, nem direita de esquerda, estava desempregado e, ao aceitar o "emprego" no Pará, deixou seu casebre em Guarde, no norte do Tocantins, com ar orgulhoso de quem iria amenizar as dificuldades da família. Calçou a melhor botina, número 43, que ainda assim lhe deixava os dedos à mostra, vestiu calça e camisa "de pano" e embarcou num ônibus, com outros 41 homens, que também viraram escravos na mesma fazenda. Ao chegar, pai e filho ergueram um barraco de lona, em que dormiam com mais três integrantes do grupo. Passaram a roçar o dia inteiro, e à noite faziam a própria comida: o prato era arroz e feijão, sempre. Duas vezes por semana comiam carne, quando o fazendeiro matava bois. Para beber, água suja, que buscavam num córrego que também servia de banheiro. Quando foi fazer sua primeira cobrança, o velho Lado ouviu que não tinha nada a receber. Nem ele, nem o filho. Daí em diante, ambos passaram a trabalhar "com uma carabina apontada pra cabeça da gente".
Fingindo-se de morto – Até hoje, a escravidão vem sendo vantajosa para esses novos senhores de escravo, inclusive no plano da impunidade. Não há notícia de um único fazendeiro ou gato, como é chamado o aliciador de mão-de-obra escrava, que tenha ido para a cadeia. Em fevereiro do ano passado, o fazendeiro Antônio Barbosa de Melo, dono de duas glebas no sul do Pará, foi condenado a dois anos de prisão, mas, por ser réu primário, está em liberdade, e sua única obrigação com a Justiça é entregar cinco cestas básicas por mês à CPT. Sílvio Caetano de Almeida, de Marabá, também foi condenado há dois anos, depois que a Justiça comprovou a existência de escravos em sua fazenda, que eram espancados e acorrentados quando tentavam fugir. Seu caso, porém, está nos tribunais superiores de Brasília. Até Benedito Mostram Filho, dono de um haras perto de Belém e um dos maiores exportadores de castanha do país, saiu-se bem na Justiça. Em 1989, um capanga de sua fazenda tentou matar dois fugitivos – um morreu e o outro, com dois tiros na mandíbula, fingiram-se de morto, chegou a ser colocado dentro de um saco plástico, abandonado numa beira de estrada, mas sobreviveu para depor e denunciar. Só o capanga foi condenado – e, aliás, está foragido.
Não se sabe quantos processos por escravidão correm na Justiça brasileira, mas o mais volumoso, e ainda em curso, é o do fazendeiro Luís Martins Pires, que tinha nada menos que 220 escravos em sua fazenda Flor da Mata, no sul do Pará, todos libertados pelo Ministério do Trabalho. Está sendo processado por violar dois artigos do Código Penal – por "reduzir alguém à condição análoga de escravo" e por "frustrar mediante fraude ou violência direitas trabalhistas". Pode pegar até dois anos de prisão. Três meses depois de perder sua senzala, Luís Martins Pires perdeu também a fazenda, desapropriada para fins de reforma agrária, mas ganhou um prêmio. A título de indenização, recebeu 2,5 milhões de reais pela propriedade que, dois anos antes, ele comprara por apenas 100.000 reais. "É preciso uma lei que exproprie fazendas de escravos como se faz com as que plantam drogas", diz o deputado Paulo Rocha, do PT do Pará. Ele é autor de uma lei, sancionada pelo presidente Fernando Henrique há três meses, que pune com cadeia todos os envolvidos na rede de escravidão – o fazendeiro, o gato, o capanga. Quem sabe assim nenhuma outra mãe brasileira passe pelo mesmo drama de dona Clarinda Borges, 64 anos, três dentes na boca, moradora de um casebre miserável em Guarde, no Tocantins. Mãe de sete filhos, quando se passaram trinta dias desde a partida de um deles, João Manoel Alves Paes, 29 anos, para uma fazenda perto de Santana do Araguaia, no Pará, ela pressentiu algo de errado. Seu diagnóstico:
– Roubaram meu filho.
Seu filho virou escravo no Pará, foi libertado pelas equipes do Ministério do Trabalho, voltou para casa, mas já saiu de novo. Está trabalhando em outra fazenda, desta vez nos arredores de Guarde. Mas onde fica? Dona Clarinda não sabe. Ele está bem? Dona Clarinda não sabe. "Faz tempo que ele não aparece por aqui."
Analise do texto
Este texto mostra perfeitamente que existe escravidão comprovada no Brasil. E não e pouca coisa. Foram libertadas e confirmadas quase mil pessoas e a estimativa e muito grande. A frase de Antonio Pereira “Não se faz isso nem com bicho” demonstra que o trato anda muito pior do que o da época da tronca e das senzalas. Realmente para os fazendeiros sem escrúpulos aquele homem não vale nada, diferente da época da escravidão em que cada escravo era um capital investido e por isso não podia ser sacrificado a qualquer custo. O fato dos animais serem tratados melhor do que as pessoas e o fim da picada. Uma pessoa que faz isso não tem um pingo de humanidade... Uma pessoa que abusa sexualmente de uma pessoa e uma pessoa sem escrúpulos e sem lógica humana... E a falta de uma natureza, porque o comportamento já se foi há muito tempo...
Ficamos-nos muito surpresos com o empenho da policia, com toda a estratégia montada e esquematizada e muita vontade de resolver este problema. Pelo menos essa consciência eles tem de que existe e está em grande escala. Não fica mo felizes porque chegamos à conclusão de que isso não e mais do que a obrigação de nossa policia e de nosso governo. Mas falta ajuda por parte dos governos estaduais e municipais. As oligarquias rurais mais uma vez são o problema de nossos pais... Poderíamos dizer nossos "Srs. de engenho" ou "coronéis" porque estamos vendo coisas de séculos atrás que apenas esses homens faziam. E incrível a falta de bom-senso e o ato do individualismo capitalista subir as suas cabeças...
Mas a parte mais chocante de todas com certeza foi a em que vemos a que ponto tudo isso chegou... As seguintes palavras já bastam “... é melhor comer no cativeiro do que ter a liberdade de passar fome...”. Esse e o comportamento capitalista mais desprezível que existe. A falta de compaixão e o egoísmo para com a sociedade. O homem como um objeto, como parte da maquina, como diria Karl Marx. E a mais-valia em pratica... Temos grandes fontes de exercito de reserva o que diminui a necessidade de procura para com os fazendeiros. Então o que fazem... Pegam os mais inocentes os que mais precisam... E como a estória que li uma vez em um livro de Paulo Sandroni, sobre a mais-valia que podemos relacionar ao caso discutido. Um pescador pescava 10 peixes por dia com um lucro de 10 reais cada. Ao final do dia lucrava 100 reais. Um belo (com um pouco de ironia) dia uma grande corporação chega às margens de onde nosso pescador trabalhava. A produção em massa dessa corporação diminui a quantidade de peixes na margem onde nosso pescador trabalhava (isso será colocado como o desemprego). Em outro belo dia um agente da corporação chama nosso funcionário que estava passando fome já que são sabia pescar (isso será colocado como a falta de qualificação de nossos candidatos a escravos) para trabalhar por 300 reais mensais (mudei o valor do original de Sandroni para que retrate melhor o que queremos passar) e continuar pescando a mesma quantidade de peixes de antes, qual era 10 dez Ele continuara fazendo seu serviço como antes são qual explorado. E é ai que queremos chegar. A parte de caráter economista do exemplo pode ser esquecida, mas a parte da exploração e a que acontece e que quero comparar. Nossos escravos são sujeitos a trabalhar pelo que conseguirem para que não passem fome. E da lhe exploração...

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